Doenças Alérgicas Respiratórias
Ilha da Madeira
(*)
Doenças Alérgicas Respiratórias na ilha da Madeira
Carlota Filipa de Sousa Nóbrega
O conceito de alergia tem sido alvo de inúmeras investigações a nível mundial,
inclusive, a própria definição de alergia tem vindo a sofrer alterações ao longo dos anos,
assim como, a definição de atopia. Estes dois conceitos são muitas vezes confundidos,
sendo que, é essencial, esclarecer a que se refere cada um dos termos. Alergia
corresponde a uma reação de hipersensibilidade, imunomediada e sintomática. Por sua
vez, atopia corresponde a uma tendência, geneticamente definida, para uma produção
aumentada de IgE, em resposta a doses anormalmente reduzidas de alergénios
frequentes no ambiente.
As doenças alérgicas representam um grupo de patologias de origem
multifatorial (fatores genéticos e ambientais atuam em simbiose) com elevada
prevalência na população mundial, afetando qualquer faixa etária (apesar de serem mais
frequentes nas crianças e adolescentes) ou género, pelo que, são doenças com as quais a
comunidade médica se depara frequentemente. Além disso, são patologias com um
elevado impacto nos gastos da saúde e na economia pessoal, associando-se a
considerável taxa de mortalidade e elevada taxa de morbilidade, sendo que afetam, em
grande escala, a qualidade de vida dos pacientes e respetivas famílias, o que as torna
objeto de constante investigação, com o objetivo de melhorar a abordagem médica a
estas patologias.
De entre as doenças alérgicas, o presente artigo de revisão pretende salientar as
doenças alérgicas respiratórias, que incluem a asma e a rinite. Tal como todas as
doenças alérgicas, as doenças alérgicas respiratórias possuem um papel de destaque e
um importante problema no âmbito da saúde pública, pelas mais diversas razões.
Apesar destas patologias, tal como referido, terem uma diminuição significativa
na qualidade de vida dos pacientes, várias investigações mostram que, com uma
vigilância adequada e ativa da doença, e com a toma assertiva da medicação, as alergias
respiratórias podem ser eficazmente controladas, com uma diminuição relevante da
mortalidade, morbilidade e impacto na qualidade de vida.
A asma é uma doença inflamatória crónica do aparelho respiratório, que se
caracteriza por uma obstrução generalizada, mas variável, das vias aéreas, que se
tornam hiperreativas (hiperreatividade brônquica) e limitam o fluxo de ar, através de
broncoconstrição, rolhões de muco e aumento da inflamação, quando expostas a
estímulos ou fatores desencadeantes, sendo que, essa obstrução é reversível
espontaneamente ou por ação terapêutica.
A asma pode ser de caráter atópico (manifesta-se no início da vida) ou não
atópico (desenvolve-se mais tardiamente na vida de um indivíduo).
A sintomatologia mais frequente da asma prende-se com a presença de tosse
com agravamento noturno, dispneia, aperto torácico e sibilos.
O diagnóstico de asma é feito com base na sintomatologia/história clínica e na
avaliação funcional. O diagnóstico funcional é obtido através da realização de uma
espirometria, que demonstre uma redução do VEF1 (inferior a 80%) e uma redução da
relação VEF1/CVF (inferior a 75%) e de uma prova de broncodilatação que explicite
um aumento do VEF1 de 12% e 200ml após agonista beta 2 de ação curta. O
diagnóstico funcional pode ser confirmado por uma prova de broncoprovocação
inespecífica com metacolina ou histamina, que provoque uma diminuição superior a
20% do VEF
A asma pode ser classificada, de acordo com a sua gravidade em, ligeira,
moderada ou grave.
A terapêutica farmacológica de alívio é realizada essencialmente com agonistas
beta 2 de curta ação, anticolinérgicos e xantinas, enquanto a terapêutica farmacológica
de manutenção é realizada maioritariamente com corticosteroides inalados, agonistas
beta 2 de longa ação, antagonistas dos leucotrienos, xantinas, cromonas e teofilina.
Além disso, pode ser considerado o omalizumab (anti-IgE).
A rinite é uma doença inflamatória crónica da mucosa nasal, normalmente
sazonal (relacionada com a exposição a alergénios ambientais), sendo que, no entanto,
pode ser perene (associada a exposição a alergénios do ambiente interior, tais como os
ácaros, pelos de animais doméstico ou substâncias de insetos).
Tal como a asma, a rinite pode ser de caráter atópico ou não atópico, sendo que a
rinite atópica caracteriza-se por ser imunomediada, cujos sintomas são provocados por
um aumento da produção de IgE após a exposição a alergénios do ambiente, enquanto a
rinite não atópica é uma doença com presença de sintomas nasais frequentes,
persistentes ou intermitentes, não induzidos por reação imune.
A sintomatologia associada à rinite resume-se, sobretudo, a congestão nasal,
coriza, rinorreia, crises esternutatórias e prurido essencialmente do foro nasal, mas
também, em alguns casos, ocular, auditivo ou orofaríngico.
O diagnóstico de rinite é efetuado através das manifestações clínicas, e da
realização de testes imunológicos, que incluem o teste de hiperreatividade cutânea (que
pode também ser utilizado para diagnosticar quais as substâncias possivelmente
alergénicas para um paciente com asma alérgica), e a pesquisa de IgE total ou específico
no soro.
A rinite pode ser classificada, segundo a frequência dos sintomas, em
intermitente (sintomas presentes menos de 4 dias por semana ou menos de 4 semanas
por ano) ou persistente (sintomas presentes em mais de 4 dias por semana e mais de 4
semanas por ano). Além disso, pode ser classificada, segundo a sua gravidade, num
espectro de ligeira a grave.
O tratamento/controlo farmacológico da rinite é assegurado pelo uso de
antihistamínicos e descongestionantes nasais, usados principalmente para alívio sintomático
agudo. Também os anticolinérgicos podem ser usados para o alívio da coriza. A
terapêutica de manutenção consiste na utilização de estabilizadores de mastócitos
(cromoglicato dissódico) e corticoides nasais tópicos.
A asma e a rinite alérgica, apesar de serem patologias isoladas, podem ser
frequentemente associadas, sendo que, muitos dos doentes com asma podem referir,
também, sintomas de rinite, assim como, a rinite alérgica pode ser considerada um fator
de risco para o desenvolvimento de asma.
Estas patologias apresentam prevalências com elevada variabilidade a nível
mundial. Dito isto, é essencial conhecer a realidade portuguesa, de modo a realizar
uma mais adequada caracterização destas doenças, e de aperfeiçoar as intervenções
médicas efetuadas nesta área. Como tal, este artigo de revisão, pretende avaliar o
panorama nacional, relativamente à prevalência e à distribuição de potenciais
alergénios, nas diferentes regiões de Portugal, enfatizando a situação da ilha da
Madeira.
Pelo relato de vários indivíduos com alergias respiratórias, existe a noção de que
os sintomas são agravados quando se deslocam para a Madeira, e que a prevalência
destas patologias é consideravelmente mais elevada na ilha, comparativamente às
restantes regiões do país. No entanto, na literatura, não é isso que se verifica, pelo que, é
importante tentar perceber qual a verdadeira situação da Madeira, no que concerne às
doenças alérgicas respiratórias.
A Madeira é a maior ilha pertencente ao Arquipélago da Madeira, localizada
entre as latitudes 32º24’ e 33º07’ N e as longitudes 16º16’ e 17º16’ W. Situa-se a cerca
de 970 km de Portugal continental, na direção sudoeste, e apresenta cerca de 63 km de
comprimento, 23 km de largura e 736,75 km2 de área. A sua população ronda os 240000
habitantes.
A ilha da Madeira tem uma origem vulcânica, como tal, apresenta um relevo
extremamente acidentado, onde predominam montanhas de elevada altitude separadas
por vales profundos. Cerca de 2/3 da ilha são ocupados por um parque natural,
denominado de Floresta Laurissilva, uma das florestas melhor preservadas da região da
Macaronésia, onde se encontram inúmeras espécies de árvores e plantas exóticas.
Geograficamente, a ilha da Madeira localiza-se na região subtropical, sendo que
apresenta um clima ameno que perdura praticamente todo o ano, essencialmente devido
à influência da proximidade do mar. Na maior parte do ano, apresenta reduzida
precipitação, humidade relativa elevada e ventos moderados.
Características da ilha da Madeira
O desenvolvimento de patologias alérgicas respiratórias, depende da interação
entre diversos fatores ambientais e genéticos. A prevalência de
alergias respiratórias na ilha da Madeira demostrou ser inferior à restante prevalência a
nível nacional, é importante tentar perceber quais as características da
Madeira, no que concerne aos principais fatores desencadeantes destas patologias. Serão
focados a poluição atmosférica, as condições polínicas, a concentração de fungos na
atmosfera, o clima da ilha e, por fim, a genética da população madeirense.
Poluição atmosférica
O estudo ISAAC, após a fase I, dedicou uma parte da investigação à análise dos
poluentes ambientais de vários países do mundo, sendo que Portugal participou com 3
centros: Lisboa, Portimão e Funchal. Apesar da baixa prevalência de alergias
respiratórias na ilha da Madeira, verificou-se que, de entre os 3 centros estudados, o
Funchal foi a cidade que apresentou maior concentração de NO2 na atmosfera. No
entanto, tais resultados podem ser explicados pelo facto da poluição ambiental, tal como
já referido, não exercer um papel preponderante no desenvolvimento de alergias
respiratórias, pelo que, não está relacionada diretamente com o aumento da prevalência
destas patologias, mas sim, apenas com o aumento das exacerbações e da gravidade da
doença em pacientes já afetados.
Pólenes
A Rede Portuguesa de Aerobiologia efetuou monitorizações polínicas, nos anos
compreendidos entre 2002 e 2006, em 5 cidades portuguesas: Lisboa, Porto, Coimbra,
Évora e Portimão.
Os tipos polínicos mais importantes encontrados na atmosfera de Portugal
continental foram: Pinaceae, Poaceae, Quercurs, Olea europaea, Plantanus hispânica e
Cupressaceae.
Os dados mais elevados foram registados na região de Évora. Nas cidades de
Coimbra, Évora e Portimão o mês com maior concentração polínica foi o mês de Maio.
Nas cidades do Porto e de Lisboa, os meses com concentrações mais elevadas de
pólenes na atmosfera foram os meses de Abril e Março.
Rede Portuguesa de Aerobiologia.
De entre os pólenes encontrados, é importante destacar o pólen de gramíneas,
que representa cerca de 10% da totalidade dos pólenes encontrados na atmosfera de
Portugal continental. O pólen de gramíneas é um dos principais alergénios em todo o
mundo, sendo que mais de 80% dos indivíduos que apresentam hiperreatividade ao
pólen, apresenta também sintomas alérgicos após o contacto com o pólen de
gramíneas.
Os estudos demonstraram que o índice anual de pólen é inferior nas regiões
insulares, com um índice anual de pólen médio de 2695 para o Funchal, em comparação
com a região continental do país, sendo que se verificou um índice anual de pólen
médio de 772590 em Évora, o que está de acordo com os resultados verificados
relativamente à prevalência de doenças alérgicas na ilha da Madeira comparativamente
às restantes regiões de Portugal continental.
Os tipos polínicos encontrados na cidade do Funchal foram diferentes dos
encontrados em Portugal continental. Os principais tipos polínicos descobertos no
Funchal foram: Poaceae, Urticaceae, Asteraceae, Boraginaceae, Cupressaceae,
Ericaceae, Myrtaceae e Pinaceae.
As estações do ano com maior concentração de pólenes foram a primavera e o
início do verão.
Fungos
Tal como os pólenes, a concentração de fungos na atmosfera de Portugal
continental também foi avaliada, no ano de 2005, em 5 cidades: Lisboa, Porto, Coimbra,
Évora e Portimão.
Os principais fungos encontrados foram: Cladosporium (60-80%), basidiósporos
(5-30%), ascósporos (5-25%), Sporobolomyces (2-15%), Aspergillus e Penicillum (2-
20%), Alternaria , Didymella, Fusarium e Ustilago (1-10%).
Foram demonstradas concentrações superiores a 100/200 esporos/m3 em todo o
país durante todo o ano, sendo que o total de esporos fúngicos contabilizados foi de
105084. Lisboa apresentou os valores mais elevados. Os meses do ano com maior
concentração de fungos foram: Abril (todas as cidades), Agosto (Porto, Coimbra e
Lisboa), Novembro (Évora e Portimão), Janeiro (Porto) e Junho (Évora).
Na ilha da Madeira, os fungos encontrados, tal como o que se verificou para os
pólenes, foram diferentes, apesar de haver, também, um claro domínio do género
Cladosporium. Os principais fungos detetados foram: Cladosporium (78%), Alternaria
(5,4%), Fusarium (4,7%), Torula (3,9%) e Botrytis (1,9%).
Os valores mais elevados foram registados na primavera e no outono, enquanto
os valores mais baixos foram detetados no inverno. O total de esporos fúngicos
detetados foi de 17586, o que se revela ser inferior aos resultados obtidos em Portugal
continental, o que é concordante com a baixa prevalência de alergias respiratórias
verificadas na ilha da Madeira.
Clima
Aquando da monitorização aerobiológica da cidade do Funchal, realizada entre
os anos de 2003 e 2007, foram também registadas as condições climatéricas da ilha,
com o intuito de tentar relacionar o clima característico da região e a concentração de
pólenes na atmosfera, bem como a sua sazonalidade e alergenicidade.
Verificou-se que a temperatura variou entre os 17ºC e os 25ºC, o que evidencia
uma amplitude térmica muito reduzida e a existência de um clima ameno durante todo o
ano. Estas condições térmicas, como já referido, são favoráveis ao crescimento de
pólenes, aumentando a sua alergenicidade, e provocando épocas polínicas mais precoces
e mais prolongadas.
No que concerne à humidade relativa, verificou-se uma variação entre os 50% e
os 70%, valores extremamente favoráveis ao desenvolvimento de pólenes.
A precipitação foi muito escassa atingindo uma média de 3,5 mm, o que, mais
uma vez, representa valores ideais para o aumento da concentração polínica na
atmosfera.
Por fim, a velocidade do vento atingiu em média os 7 km/h nos períodos mais
ventosos, o que representa um vento fraco a moderado, e os 4,8 km/h nos períodos
menos ventosos. Também as condições do vento se mostram benéficas para o
desenvolvimento dos pólenes.
Genética
Alguns estudos genéticos foram realizados na população madeirense com o
intuito de estudar genes associados a doenças alérgicas respiratórias, sendo que, os
principais genes estudados foram os genes da IL4, IL4-RP2, ADRB2, GSDML,
ADAM33 e STAT
Os polimorfismos genéticos IL4-590*CT/TT e IL4-RP2*253183/183183 estão
associados a um elevado risco de desenvolvimento de asma e um maior grau de
gravidade da mesma, conduzindo a uma diminuição do VEF1. O polimorfismo
ADRB2-c16*AG é também considerado um fator de risco para o surgimento de asma,
enquanto o polimorfismo GSDML-236*TT apresenta um efeito protetor. Os
polimorfismos ADAM33-V4*CC e STAT6-21*TT estão associados a um maior risco
de sensibilização/hiperreatividade a poeiras e ácaros domésticos.
Um importante estudo genético foi realizado tendo como objetivo comparar a
prevalência dos polimorfismos do gene da IL4 e IL4-RP2, na população da Madeira,
Açores, Portugal continental, Cabo Verde e Guiné Bissau. Também uma amostra de
indivíduos asmáticos da ilha da Madeira foi usada com intuito de avaliar a prevalência
dos mesmos polimorfismos em indivíduos asmáticos e não asmáticos.
Foi confirmada a associação entre os polimorfismos IL4-590*CT/TT e IL4-
RP2*253183/183183 e o risco de desenvolvimento de asma, uma vez que a prevalência
foi maior na população asmática comparativamente à população não asmática. Por outro
lado, a Madeira revelou ter a prevalência mais baixa desses mesmos polimorfismos,
comparativamente às restantes regiões em estudo, o que vai de encontro à baixa
prevalência de asma na ilha da Madeira, comparativamente a Portugal continental,
maioritariamente.
A presença de hiperreatividade cutânea inespecífica foi estudada em crianças
entre os 6 e os 12 anos, em três regiões de raças diferentes: Madeira (Portugal), Cabo
Verde e Macau. Uma população de indivíduos atópicos foi também avaliada, com o
objetivo de avaliar a influência da atopia na presença de reatividade cutânea.
Verificou-se que a população da Madeira apresentou o maior diâmetro médio
das pápulas induzidas pela histamina, cerca de 6,36 mm, comparativamente à população
de Cabo Verde, 3,91 mm, e à população de Macau, 3,58 mm. Além disso, a população
atópica apresentou um diâmetro médio das pápulas induzidas pela histamina superior à
população não atópica, 6,60 mm para a população madeirense atópica, em comparação
com 5,50 mm para a população madeirense não atópica.
Conclusão
O estudo das doenças alérgicas respiratórias é de extrema importância, uma vez
que estas patologias representam um relevante problema no âmbito da saúde pública,
por serem doenças muito prevalentes ao nível mundial, por afetarem um grande
espectro de idades e géneros, por estarem associadas a elevadas taxas de mortalidade e
morbilidade e por contribuírem para um aumento dos gastos da saúde.
A população portuguesa é frequentemente afetada por sintomas alérgicos
respiratórios. No entanto, de forma empírica, a maior parte dos indivíduos refere um
agravamento dos sintomas quando se deslocam de Portugal continental para a ilha da
Madeira, pelo que, existe a perceção de que a prevalência de doenças alérgicas
respiratórias é superior na Madeira comparativamente às restantes regiões do país e que
as características da ilha agravam a sintomatologia dos pacientes previamente afetados
por estas patologias.
Este artigo, através da revisão de vários estudos realizados e artigos publicados,
permitiu desmistificar esta ideia, uma vez que, na literatura, a elevada prevalência de
doenças alérgicas respiratórias na Madeira não é confirmada. Este artigo possibilitou,
também, avaliar a presença ou ausência de determinados fatores de risco na ilha que
pudessem explicar a prevalência destas doenças.
Verificou-se que a prevalência de alergias respiratórias (asma e rinite), em 2002,
na ilha da Madeira é inferior à verificada em Lisboa, Porto, Coimbra, Portimão e
Évora. Outros estudos revelaram que as doenças alérgicas são patologias
subdiagnosticadas e subtratadas, uma vez que um elevado número de indivíduos
apresentava sintomas sem alguma vez terem sido diagnosticados com asma ou rinite,
assim como, vários doentes com estas patologias não realizavam tratamento ou o
tratamento adequado. Foi também verificado que um relevante número de pacientes
com asma foi diagnosticado com formas graves desta doença, e mais de metade dos
doentes com rinite apresenta formas persistentes da mesma. A asma revelou ser uma
doença com relevante mortalidade e morbilidade, estando associada a um número
considerável de hospitalizações.
No entanto, um estudo realizado em vários países de língua portuguesa revelou
que a ilha da Madeira tem a maior prevalência de asma e de atopia, comparativamente à
ilha do Sal (Cabo Verde), à ilha de S. Vicente (Cabo Verde) e a Macau. Este estudo
demonstra que países que partilham a mesma língua e o mesmo ancestral podem ter
variações elevadas na prevalência de determinadas doenças, o que realça a importância
dos fatores ambientais. No entanto, as duas ilhas de Cabo Verde, com condições
ambientais semelhantes, apresentaram prevalências diferentes, o que revela que não só
os fatores ambientais têm um papel relevante no desenvolvimento de doenças alérgicas
respiratórias, como também, os fatores genéticos contribuem de forma extremamente
relevante, confirmando a origem multifatorial destas patologias.
Vários possíveis fatores desencadeantes têm sido estudados, sendo que alguns
revelam ter um efeito iniciador das doenças, como os pólenes, os fungos e os fatores
genéticos, enquanto outros apresentam apenas um efeito promotor e de agravamento dos
sintomas de indivíduos previamente afetados pela patologia, como a poluição
ambiental. O clima não tem influência direta no desenvolvimento das alergias
respiratórias, sendo que atua essencialmente ao modificar as condições de crescimento
dos pólenes e dos fungos, mais especificamente modificando a sua alergenicidade, bem
como a sua sazonalidade.
Após o estudo destes mesmos fatores desencadeantes na Madeira foi possível
averiguar quais as características da ilha que influenciavam o surgimento de doenças
alérgicas respiratórias, o que permitiu tirar algumas conclusões relativamente à
prevalência destas mesmas patologias, apesar de alguns aspetos continuarem
inexplicados.
Verificou-se que a concentração de NO2 na Madeira é superior à encontrada em
Lisboa e em Portimão, contrariamente ao que seria de esperar, dada a prevalência das
patologias alérgicas respiratórias na ilha. No entanto, tais resultados podem ser
explicados pelo facto da poluição ambiental, tal como já referido, não exercer um papel
iniciador no desenvolvimento de patologias alérgicas respiratórias, mas sim, apenas um
papel promotor. Tal facto, pode também corroborar o relato empírico de vários
indivíduos afetados com estas patologias, que referem um agravamento dos sintomas
das mesmas na ilha da Madeira.
Relativamente aos pólenes e aos fungos, demonstrou-se que a concentração de
pólenes e fungos na Madeira é inferior à verificada em Portugal continental. Para
além disso, os pólenes e fungos encontrados foram diferentes, apesar de se manter a
predominância do pólen da espécie Poaceae e dos esporos do fungo
Cladosporium. As estações onde se verificou maior concentração de
pólenes na atmosfera madeirense foram a primavera e o início do verão.
Relativamente aos fungos, foram detetadas maiores concentrações na primavera e no
outono. Estas baixas concentrações de pólenes e fungos na atmosfera poderão
justificar a reduzida prevalência das patologias alérgicas respiratórias na ilha da Madeira.
A Madeira é uma ilha com um relevo irregular, alternando montanhas de elevada
altitude com vales profundos. É uma ilha com uma fauna e flora muito ricas, sendo que
grande parte da ilha é coberta por uma floresta protegida, a floresta Laurissilva,
constituída por várias espécies exóticas. O clima da Madeira revelou ser um clima
ameno, com temperaturas moderadas durante todo o ano (reduzida amplitude térmica),
com humidade relativa elevada, precipitação reduzida e vento fraco a moderado.
Todas estas condições meteorológicas são favoráveis ao desenvolvimento de pólenes, e
consequentemente, ao surgimento de alergias respiratórias. No entanto, não se verifica
um aumento da concentração de pólenes na atmosfera da Madeira, nem uma elevada
prevalência de patologias alérgicas respiratórias, facto que permanece ainda por
explicar. Serão então, necessários mais estudos para compreender melhor esta temática.
A genética madeirense é, por outro lado, uma genética desfavorável para o
desenvolvimento de doenças alérgicas respiratórias, uma vez que a prevalência dos
polimorfismos dos genes da IL4 e IL4-RP2 associados a essas mesmas patologias, é
inferior à prevalência encontrada em Portugal continental, Açores, Cabo Verde e GuinéBissau.
Estes dados apoiam as prevalências de encontradas na ilha da Madeira e em
Portugal continental, no entanto, não são explicativas das prevalências encontradas em
Cabo Verde, comparativamente às encontradas na ilha da Madeira. Neste caso, a
justificação talvez esteja relacionada com os fatores ambientais, sendo que serão
necessários mais estudos para esclarecer esta situação.
Os resultados encontrados relativamente à hiperreatividade cutânea inespecífica
na ilha da Madeira, Cabo Verde e Macau, estão de acordo com as prevalências
encontradas nestas mesmas ilhas, uma vez que o diâmetro das pápulas provocadas pelo
teste da reatividade à histamina foi superior nos indivíduos madeirenses
comparativamente aos de Cabo Verde e de Macau.
Por fim, podemos concluir que, ao contrário da perceção empírica de que a
prevalência de alergias respiratórias na Madeira é superior à encontrada em Portugal
continental não é isso que se verifica na literatura. No entanto, os estudos utilizados
nesta revisão são antigos, pelo que é necessário a realização de novos estudos, mais
recentes, acerca desta temática, de modo a reavaliar esta situação e verificar se os
resultados se mantêm ou e houve alguma inversão na prevalência destas patologias.
Além disso, demonstrou-se também que as características da ilha estão de acordo com a
prevalência encontrada, nomeadamente, a concentração de pólenes e fungos na
atmosfera e a genética. A poluição atmosférica encontrada pode explicar o agravamento
dos sintomas relatados empiricamente por algumas pessoas, no entanto, este facto
necessita ainda de ser comprovado por pesquisas apropriadas. Pelo contrário, o clima
parece não ir de encontro à prevalência encontrada na ilha, nem à concentração de
pólenes na atmosfera, pelo que, mais uma vez, são necessários estudos complementares
para que se possa tentar compreender esta incongruênã
(*)resumo por partes
mais informacão: (site original)
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/41925/1/CarlotaFNobrega.pdf